Pedro Pomar
A revista Veja publicou, em sua edição de 18/9, entrevista com o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que esteve à frente do Ministério das Comunicações no início do primeiro mandato presidencial de Lula. A finalidade da entrevista é legitimar a tese dos oligarcas da mídia de que o governo e os movimentos sociais supostamente controlados por ele são uma ameaça à liberdade de expressão no país.
“Governo não gosta de notícia” é o título da matéria, na qual Miro declara frases como 1) “O governo apresenta faces autoritárias”; 2) “Não há mal provocado ao Brasil pela imprensa. Só o bem” e 3) a “Confecom é ilegítima” e se suas propostas forem aprovadas, “devem ser revogadas no Supremo Tribunal Federal, que já demonstrou que o direito à informação não pode ser arranhado nem por emenda constitucional”.
Confecom, para quem não sabe, é a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada pelo governo Lula em dezembro de 2009. Reuniu milhares de pessoas de todo o Brasil em diferentes etapas e contou com a participação de movimentos sociais, diversos níveis e esferas do poder público e expressiva parcela do empresariado ― embora a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), liderada pela TV Globo, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e outras entidades tenham-se recusado a participar.
As mais de 600 propostas aprovadas pela Confecom resultaram de debate intenso e democrático e, em alguns casos, negociação entre os segmentos participantes. São medidas destinadas a desconcentrar e democratizar a comunicação social no Brasil, várias delas relacionadas à regulamentação de dispositivos já existentes na Constituição Federal mas nunca aplicados, como os artigos 220 e 221.
O parágrafo 5º do artigo 220 estabelece: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. O artigo 221, por sua vez, estipula: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
Nenhum desses princípios constitucionais é respeitado nos dias de hoje. O sistema de mídia é oligopolizado, dominado nacionalmente por uma dezena de conglomerados empresariais (objeto de recente desabafo do presidente Lula), associados a grupos monopolistas regionais ou locais. As finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas são preteridas em favor das finalidades mercantis das emissoras. A diversidade regional é uma caricatura, e os valores éticos e sociais são pisoteados por programas como “BBB” e muitos outros.
Ecoando as críticas feitas à Confecom pelos oligarcas da mídia, Miro age como moleque de recados. “O governo não pode reunir militantes, ditar uma pauta e afirmar com a cara mais limpa do mundo que, ‘depois de ouvir a sociedade, chegamos a tais conclusões’. Quando o governo organiza um fórum, ele não fala em nome da sociedade”, declarou ele à revista Veja. O paladino da liberdade de expressão patronal demonstra, assim, desconhecer o processo de construção da Conferência, complexo e contraditório.
Munida de benevolência raramente vista com ex-ministros de Lula, sobre ele Veja relembrou docemente: “Pautou seus nove mandatos pela defesa da liberdade de expressão. Uma ação que ele impetrou levou o Supremo Tribunal Federal a revogar, em 2009, a Lei de Imprensa, instituída pelo regime militar para manietar os jornalistas”. Graças a este notável gesto de Miro em prol da “liberdade de expressão” dos oligarcas da mídia, que permitiu ao STF derrubar a Lei de Imprensa sem colocar nada em seu lugar, hoje não existe mais direito de resposta. Os donos dos meios de comunicação estão livres para publicar qualquer coisa, sabendo que não terão mais a obrigação legal de dar espaço a contestações e réplicas.
Após informar que Miro “vê prosperar no governo que integrou e no Congresso do qual participa projetos de controle dos meios de comunicação”, Veja anuncia aos leitores, cândidamente, que o bravo deputado pedetista, disposto a combater essa perversa tendência, “articula uma frente suprapartidária de defesa da liberdade” (de imprensa?).
De acordo com o parlamentar, “os atuais ocupantes do Planalto tentam desacatar a Constituição”. Em seguida, ele monta o script de uma peça sobre um golpe de Estado, com preâmbulo (“O direito à informação é uma cláusula pétrea da Carta. Sem liberdade de imprensa, não há democracia”) e vários atos: “Aliás, a primeira medida de uma ditadura é sempre a mesma: suprimir a liberdade de imprensa. Depois, fecha-se o Congresso. Sem imprensa, garante-se a falta de repercussão da segunda medida”.
Miro deve ter-se esquecido, mas a Ditadura Militar instaurada em 1964 não precisou suprimir de imediato a liberdade de imprensa, ao menos para alguns veículos. Afinal, o golpe contou com apoio decidido de vários dos atuais denodados defensores da “liberdade de expressão”, como O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo.
Veja também pediu a Miro que opinasse sobre os 224 projetos em tramitação no Congresso que restringem a propaganda comercial (“constituem uma ameaça à imprensa?”). O deputado desenvolve, então, um raciocínio tortuoso: “A obsessão pela restrição à publicidade se confunde com a obsessão pelo controle da imprensa pelo estado. Hoje, os governos têm um impacto pequeno sobre a receita dos principais veículos do Brasil — não mais que 8% do faturamento. Sem acesso a anúncios privados, esses veículos passariam a depender da publicidade oficial. Mas não vejo possibilidade de essas iniciativas prosperarem, porque o Supremo estende à propaganda a proteção que dá à imprensa”.
Portanto, aí está. Como bem poderia dizer Carlos Lacerda, o udenista com quem Miro está ficando assaz parecido: as “ameaças” à imprensa e à propaganda comercial não podem existir; caso existam, não podem ser aprovadas no governo ou no Congresso; caso sejam aprovadas, serão derrubadas no STF.
(Publicado originalmente em Página 13 eletrônico, edição XII, 27/9/2010)
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